quinta-feira, 27 de junho de 2013

Carros brancos fazem-me lembrar o Sr. Ventura

É curioso como determinadas coisas nos fazem recordar pessoas e momentos adormecidos. Carros brancos fazem-me lembrar o Sr. Ventura. Pai de dois amigos meus que já morreu há uns bons anos. O Sr. Ventura tinha o rosto fechado. As próprias sobrancelhas carregadas e descaídas ajudavam a um olhar áustero. Não me recordo do seu sorriso, talvez porque o tenha visto poucas vezes. Lembro, sim, das frases curtas em jeito de grunhido. Parecia sempre zangado, como tantas pessoas parecem mas, era apenas ele. Era assim. Poucas palavras, aparência rezingona mas, fundo amigo. E cada vez que me lembro do Sr. Ventura dá-me vontade de rir. Recordo-me do seu filho, numa festa de aniversário, dizer ao pai que o tio do nosso amigo Pedro tinha-se consagrado como campeão nacional de uma qualquer modalidade de natação. Era assim uma coisa em grande. Um feito que merecia que o Sr. Ventura saísse do seu mundo. Que descontraísse os ombros, se levantasse do sofá e parabenizasse o nosso amigo por tal tio tão prodigioso. E o Sr. Ventura levantou-se. Com esforço não físico mas relacional. E, no meio da festa, perante todos nós, deu os parabéns ao Pedro que, bem instruído, ripostou com amargura e desdém que não permitiria tal ofensa. Não com o seu tio cujo acidente precoce lhe havia retirado os dois braços em tão tenra idade. E foi assim que ontem, enquanto conduzia e reparava num carro branco, lembrava-me do Sr. Ventura... quase a bater no seu próprio filho enquanto ao Pedro e a todos nós caiam lágrimas- de gozo e, simultaneamente, algum medo...

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