sábado, 14 de setembro de 2013

Boomerang

O Antonino era gordinho. Era daquelas crianças assim redondinhas, de faces rosadas e ar bonacheirão. Nós, com um par de anos a mais, mas no espírito da extinta praceta, juntávamos convivências e brincadeiras. Quando gozavam com um dos nossos, gozavam connosco próprios e a ofensa era assim partilhada. E também em conjunto resolvida. O Antonino era gozado e precisava de uma solução. Nós encontrámo-la. Um dos mais velhos instituiu assim uma regra. Sempre que os mais crescidos jogassem à bola, o Antonino havia de correr. Com o corpo embrulhado em película aderente e vestido com a clássica sweatshirt do fato de treino com listas, dava voltas ao campo, enquanto durasse o treino. Não foi isso que resolveu mas o simples facto de ter crescido. De todo o modo, esse apoio nunca foi esquecido pois a união mantem-se até hoje.
Esta seria uma história que eu contaria normalmente aos meus filhos para lhes explicar a importância da amizade, da união e o desprezo por todo o acto que implica menosprezar o outro. Fazer sofrer, só porque nos faz sentir aparentemente melhores... Estas são normalmente as histórias que vou contando para que os valores desejados tenham uma imagem. Mas, quando hoje ouvi falar do António, concluí que a argumentação habitual necessitava de um reforço. E o reforço, não sendo pedagogicamente o mais desejável, às vezes é entendido por necessário. Porque o António é gozado na turma do meu filho. Pelos mesmos motivos. E eu consegui ver algum divertimento na cara do meu filho. Que me acendeu todos os alarmes. E assim, resolvi continuar a contar a história do Antonino. O Antonino cresceu, de facto. Pelo avançar dos anos, a sua altura aumentou. Mas, pela presença no ginásio, os seus músculos incharam. O Antonino é hoje um daqueles "armários" com ar de mau mas com coração de manteiga. Mas a sua bondade não o impediu de partir alguns dentes a um daqueles espertinhos que outrora gozava com ele e que teve o azar de com ele cruzar caminho. E foi a solução do Antonino. Solução essa que acredito que tenha tido um pouco do gozo que os outros meninos com ele tiveram. Mas que duvido que tenha anulado toda a dor que por esse motivo sentiu. Não acreditando neste caminho acabei por o mostrar para que o meu percebesse que os nossos actos têm consequências. Sempre. E o que hoje está em desvantagem amanhã pode estar noutra posição. E vice-versa. Antes de eu tentar perceber se tinha aprendido a lição, disse-me prontamente que nunca tinha gozado com ele. Disse-me com urgência "são os outros que gozam!" Não sei se ficou com medo do António, do Antonino ou de mim. Mas quero acreditar que não será o medo que o guiará. Mas o sentido de humanidade que tento diariamente passar-lhe.
 

1 comentário:

  1. Um grande exemplo de como o feitiço se pode virar contra o feiticeiro...
    Beijinhos grandes e saudades.

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