sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Rebentá a bolha

Eu acredito piamente no flagelo da memória curta. A sério! Creio mesmo que há pessoas que bloquearam parte da sua história. Eliminaram o seu percurso e agora inventam outro para os seus filhos, como o seu próprio tivesse sido semelhante. Na reunião de pais da minha filha que tem 9 anos, assisti incrédula, às angústias dos papás e mamãs. Esses que estão esquecidos... como se marcam as senhas, e a que horas, e se estiver fechado, e se esquecerem e, e, e...  só interrogações. E dei por mim a questionar se também eles haviam crescido numa bolha ou se tinha sido só eu a ter uma infância diferente. Já se esqueceram que iam para a escola a pé, sozinhos? Que levavam no bolso o dinheiro certo para um bolicao? Que dava o toque e iam almoçar a casa? Que quando não haviam aulas a alegria era semelhante a uma vitória do Final da Taça? Que se brincava nos recreios, fizesse chuva ou sol. Que nos esticávamos para carregar na nossa campainha? Que se brincava na praceta até sermos chamados pela enésima vez para ir jantar ou fazer os trabalhos de casa? Bem sei que os tempos são diferentes e nada será como dantes mas, pergunto: protecção é igual a sufoco? O contexto é assim tão dramático que nos devemos preparar para uma guerrilha? Estamos a dar aos miudos estratégias de defesa ou a dotá-los para a incapacidade de reagir? Não sei. Genuinamente, tenho dúvidas. Acho que às vezes nem sequer pensamos, habituados que estamos a fazer tudo por eles. Timidamente levantei o dedo e perguntei se não podiam ser os miudos a gerir a questão da marcação das senhas e do pagamento dos almoços. Senti-me como um leão que é avistado na savana africana por um conjunto de zebras. Já a medo expliquei que entregava dinheiro à minha filha e que ela ía à papelaria, no intervalo, e marcava as senhas e fazia o respetivo pagamento. Disse, ainda, que era ela que me informava quando estava na hora de voltar a carregar e que me pedia autorização para gastar algum, no final da semana, em coisas que queria do bar. As zebras abriam-me cada vez mais os olhos. E sinceramente, após o choque, senti que cada pai- ali naquele momento- se lembrou como era... No seu tempo! E em segundos, ponderaram essa possibilidade. E acharam que não era um passo gigante, arriscado ou inseguro. Era apenas dar um pouco de liberdade, responsabilidade e autonomia. E não rebentava a bolha! Apenas entrava mais ar!
 

12 comentários:

  1. É mais fácil protege-los, enfiá-los numa redoma de vidro...
    Tenho o Tim com 21 meses e reguila, aventureiro, traquina... Olham para mim de lado quando ele trepa para cima das cadeiras, como se ele fosse imediatamente cair e eu fosse uma mãe desnaturada que não o seguro... Limito-me a controlá-lo, tentar que não caia, mas se não cair, não saberá como se levantar... sim, não tem muito a ver mas essa liberdade por mim, começa cedo ou pelo menos adaptada a idade. E eles precisam disso... Faz-lhes bem :)

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  2. Eh pá você, francamente, não é mesmo uma mãe fofinha ... É uma mãe normal, viva nós que estamos em extinção !!!!

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  3. Cada vez gosto mais de te ler...mesmo! concordo e subscrevo. E subscrevo também a Li. Todos os dias levo com olhares carregados, porque deixo as minhas filhas, de 2 e 4 anos escolherem o que querem e quanto querem comer (dentro dos limites razoáveis que sou eu que estabeleço), pq as deixo andar na rua, de guarda-chuva e galochas quando chove, pq as deixo subir escadas e cadeiras e armários. Porque as quero preparar para a autonomia, para o esforço, para a causa efeito. Tive na última reunião de pais uma discussão brutal porque queriam proibir os meninos de vir ao jardim nos dias de chuva e frio...num dos paises de tempo mais ameno da Europa. Mas curiosamente, são esses os pais que deixam chorar até adormecer porque alguém lhes disse que era assim que aprendiam, que vão buscar os meninos quando faltam 2 minutos para o colégio fechar (mesmo quando não trabalham)...Raio de prioridades.
    Bjos

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    1. Onde vivo as crianças só não saem para brincar na rua quando as temperaturas são entre os 15 e 17ºC negativos.

      Não se entende esses pais

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  4. Como é bom ler alguém como eu!!!
    A autonomia é muito importante para eles, não só porque ficam mais aptos e despertos para a vida, mas porque lhes dá a certeza de que confiamos neles.
    E isso faz toda a diferença.
    Ainda bem que te leio!!!
    Beijocas

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  5. Gostei da analogia das zebras e dos leões. Senti o mesmo recentemente numa reunião de início de época de futebol para crianças, quando nos queriam obrigar a desembolsar 120 euros de equipamento e eu disse alto e bom som que não via nada de mal que cada um treinasse com o equipamento que lhe apetecesse.
    Mas sim, as reuniões de pais têm muito que se lhe diga. Uma ocasião em que se aplica muito bem a frase "o inferno são os outros".

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  6. Acabei de ler um ótimo artigo sobre isso... sobre a falta de as crianças brincarem ao ar livre, de correrem riscos para que mais tarde percebam que riscos poderão "correr"...
    http://www.publico.pt/portugal/jornal/criancas-precisam-de-correr-riscos-para-se-desenvolverem-27192496

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  7. Como eu a compreendo! O mais grave é que ouvi perguntas muito parecidas por parte de alguns pais, só que na reunião da minha filha que está...no 10º ano!!!

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  8. http://www.publico.pt/portugal/jornal/criancas-precisam-de-correr-riscos-para-se-desenvolverem-27192496

    :)

    Está mais do que certa.

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  9. Muito bom, muito bom! Haja atitudes e reflexões como as da Pedagogia! Abaixo os pais que não educam para a autonomia!

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  10. bingo! Tenho dois filhos adultos a quem ensinámos sempre a autonomia e a responsabilização pelos seus actos! Não me arrependi! Dá gosto olhar para eles e para o modo com levam as suas vidas!
    Sou professora há muitos anos e travo lutas constantes com estes pais aflitos e em que, na maioria das vezes, percebo grandes sentimentos de culpa no acto educativo das suas crianças. E como se sentem culpados atacam a escola e tudo o que está à volta. Ainda hoje, sempre que vejo pais e mães à espera no portão pelos filhos de 10 /14 anos e a primeira coisa que fazem é retirar-lhes a mochila das costas para que...vá-se lá saber para quê! Estes pais serão os que mais tarde sentirão um abandono grande por parte dos filhos quando chegar a velhice e o tempo de serem cuidadores ficou para trás. Se nunca ensinaram os filhos a tratar deles e dos outros!

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