sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Private joke

Factos:
1995
Uma mulher
Um homem estrangeiro, de cabelo comprido e roupas pretas
Umas fotos com grelos
Um amor que ainda perdura

A minha construção mental:
Sentia a barriga fria. Eram sete da manhã e ainda tinha o corpo encostado à pedra gelada. O mercado estava no início da actividade mas o dia começara de noite. Tinha uma camisola vestida. Os borbotos amontoavam-se e não deixavam ver a malha. A bata cruzada não permitia, por sua vez, vislumbrar o desenho dissimulado pela lã usada. Ainda assim, a barriga encostada à bancada, deixava-a fria. Gelada. A sua voz ecoava pelo espaço, misturando-se com todas as outras. Cantava os preços, anunciava as promoções. Como um isco, lançava o seu olhar e sorriso desejando pescar a atenção de quem passava, indiferente à figura humana. Raras vezes a olhavam. Olhavam mesmo. Raras as vezes trocavam a direcção reservada aos produtos, pela sua juventude intocada. Era uma manhã como tantas outras. 1995, parece. Mas o tempo parou. Por uns segundos, o silêncio instalou-se. Ninguém se mexeu. Ninguém falou. O tempo foi outro. Uma figura surgiu. Interrompeu o habitual e numa linguagem desconhecida mas ouvida, despertou. Olhou directamente e perguntou assertivo. Ela afastou a barriga e o calor invadiu-a. Era um homem. De cabelos longos e vestes negras. Era ele. Só ele e ela, no mercado. Em 1995. O tempo retomou mas nunca mais foi igual. Ainda hoje vendem grelos...


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