quinta-feira, 6 de março de 2014

Pelo prazer da escrita #3 No restaurante lá de casa

Não sei exactamente quem estava do meu lado direito. Julgo que era o Rui. Mas ao meu lado esquerdo era com toda a certeza o meu pai. Imediatamente à minha frente estava o mais velho. O pior. Ao seu lado o Pedro e depois a minha mãe que estava muito próxima do Filipe, o mais pequeno. Éramos sete. Sete! À volta de uma mesa de madeira, desenhada em longas ripas. Os bancos corridos obrigavam a um equilíbrio, como toda a refeição. Não se colocam cotovelos na mesa, não se canta, nem se come com a boca aberta. Podíamos estar num restaurante ou numa cantina qualquer. A compostura exigida era rigorosa. Bastava um sair da linha para sairmos todos. Mas era raro. As consequências não eram as de hoje. Eu era quase sempre a sacrificada. Não aguentava o riso. Era este o meu problema. Aquele que ainda mantenho hoje em dia. Não era um restaurante mas podia ser. Costas direitas, boca fechada e... comer tudo até ao fim. Sem vestígios de bagos de arroz pois há crianças a morrer à fome. Três conchas de sopa, bem medidas e mergulhadas na panela alta, que veio nas malas de Moçambique. Agora o prato. Se fosse o meu pai a cozinhar, e se fosse domingo, podíamos contar com um caril de frango que me deixava os lábios dormentes. Ou um frango à cafreal com arroz branco, solto pela água onde foi passado depois da cozedura. Se fosse a minha mãe, o mais provável seria um frango guisado com massa ou frango frito com o mesmo arroz. Percebo agora que este restaurante servia apenas frango e isso explica algumas coisas... Lembro-me de ser repreendida. Saiu-me um não gosto de... Neste restaurante gosta-se de tudo. Aprende-se a gostar. Nunca aprendi a gostar de leite. E o único devaneio permitido nesta longa mesa era apertar o nariz. Fazia-o sempre com a caneca na mão. Houve um dia que nunca mais esqueci. Apertei mais do que o nariz. Torci toda a cara, torci toda a minha expressão. O menu do restaurante tinha qualquer coisa que acompanhava com batatas cozidas- alimento que era perfeito para esconder qualquer coisa- como pickles... hiper picantes... Que foram parar à minha boca. Sob o olhar de anjo que era o meu irmão mais velho. Aquele que punha qualquer coisa na boca, triturava-a até ao ponto de não se perceber que alimento era e depois exibia, só a mim, quando mais ninguém estava a olhar. E continuava sereno a comer enquanto eu explodia a rir e ouvia dos meus pais. Que não era assim que uma menina se comportava à mesa! Principalmente naquele restaurante. Hiper chique onde, numa mesa corrida, comíamos frango. Mas um bom frango!

3 comentários:

  1. Lá em casa era diferente. A minha mãe fazia de teu irmão e riamo-nos as duas à gargalhada, enquanto o meu pai dizia: "estou feito com estas malucas" :P

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  2. Bons tempos me lembraste agora :)
    Já o que o teu bro mais velho fazia era o que eu e a minha irmã fazia-mos ao meu irmão....de preferência com mousse de chocolate :)))

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  3. cá em casa a regra é "quem não gosta come sem gostar".

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