segunda-feira, 23 de março de 2015

|Mini-reportagem de um desafio| 22 de março (agora o verdadeiro)

Ontem não escrevi nada de jeito. Cortei a meta e estava absolutamente feliz. Cinco minutos depois, o meu telefone tocou e perdi o sorriso. É daquelas notícias que ouvimos e sentimos um tsunami interior. Uma espécie de efeito dominó de dor. Falta o ar e pára o mundo. Segurei a medalha por segurar. A esta hora ainda não sei se está tudo bem e... ainda não consigo respirar. Escrevo por escrever. Para me ocupar. 

[22 de Março]

Acordei cedo e não me sentia bem. Estava indisposta e com dores de barriga. Ignorei os sintomas. O meu marido levou-nos ao ponto de encontro, até aos autocarros. Sentei-me do lado da janela. Não troquei uma palavra com a minha desconhecida companhia. Olhei as ruas, olhei as pessoas, olhei o Rio Tejo. Senti-me agradecida por aquela benesse de estar confortável. Seguiu-se uma espera de uma hora e meia. As minhas dores agravaram-se e percebi o porquê. Ignorei. Não me canso daquela sensação. Milhares de pessoas ali quase iguais. Unidas por um propósito comum. A adrenalina é inexplicável. Quase um misto de emoção, medo, ansiedade e alegria. Queremos que comece e, simultaneamente, não queremos. Encarreirámos no amontoado de gente. Uma massa de cor. Liguei a aplicação e preparei-me. Tinha a estratégia toda na cabeça. Coloquei-me do lado direito e olhei sempre para o chão. As pessoas empurram, acotovelam-se, tropeçam. Tive muito cuidado até ganhar o espaço que precisava. Tirei a camisola e deitei-a fora. Os primeiros 10k seriam assim. Cheios de calma, cautela e sem pressas. Tencionava não me cansar e guardar energias para o desconhecido. Lembro-me de pisar o risco que determina o fim da ponte. Primeiro marco. Naquela curva imediatamente a seguir o entusiasmo é incrível. As pessoas aplaudem e gritam por nós. Fui olhando, sorrindo e agradecendo. Não sei explicar a força que isso dá. Mil pacotes de gel. O segundo marco diria que foi quando nos separámos da mini maratona. Olhei para a Marta e ambas percebemos- a nossa aventura começaria ali. Estávamos por nossa conta. Recordo-me de, até aos 7k, não ter dado pelo tempo passar. Foi como se tivesse começado a correr naquele momento. O sol apareceu e eu dei graças, em silêncio, ao chapéu de tinha na cabeça (detesto...). Molhei-o em todos os abastecimentos que encontrei. A água pingava-me em frente dos olhos mas apenas por escassos minutos. Um pé em frente ao outro. Por volta dos 10k bebi o primeiro gel. Acompanhei com água e torci para que evitasse a fraqueza que um dia já senti. Era o meu principal medo. Passámos pela meta e assisti ao fim da mini maratona. Diziam que este era o ponto mais difícil. Para mim não foi. Deu-me muita força. Eu não queria estar ali. Eu estava orgulhosamente do lado que queria estar. Comi mel, aceitei bebidas isotónicas, ingeri mais um gel... Alegrei-me por ver a Sónia, quase gritei quando encontrei a Catarina, disse adeus ao Mário e ao Sérgio, adorei passar pela Joana, dancei ao som das bandas- senti-me sempre bem. Nunca pensei parar, andar e muito menos desistir. Saberia, mais tarde, que o meu marido e os meus filhos estariam por ali. Não os vi. Cheguei à minha casa-Oeiras- e aí, senti a segurança. Ri-me sem parar com o Filipe a gritar o meu nome no megafone e com o Valente a filmar. Foi um marco que acho que nunca esquecerei. Dei a volta na Cruz-Quebrada e vi o Rui a vir ao nosso encontro. Já tinha passado a meta e voltou para trás. Correu connosco, deu-nos água e muito mais do que isso. A Carolina quase que me pôs a chorar. Estava ali para nos ver e eu quase perdi a forças com a emoção. Faltavam 4k e eu sentia que conseguia tudo. Via já a meta, ouvia a música, sentia tudo. Virámos em direção ao fim e dei a mão à Marta. Era um sonho meu, era um sonho dela mas, foi um sonho que alcançámos juntas. Atravessámos de mãos dadas, de sorriso na cara, com uma das melhores sensações do mundo- a de alcançar algo, depois de esforço, empenho e dedicação. Aquilo era nosso. Último marco.


Neste momento, ainda não sei nada. Estou sentada numa cadeira de hospital. Não tenho dores físicas, apenas um aperto que não se deve a qualquer esforço extraordinário. Estou aqui sentada a pensar que hoje o meu pai faria anos e hoje ele está aqui, assim. Estou aqui a pensar em algo que transcende a minha fé. Numa ligação divina que assegura a proteção que peço. 
Até ao momento, ainda não sei nada. 

Sei tudo agora. A vida tem muitos quilómetros, muitas quedas, muitas metas. As melhores coisas, quase sempre, obrigam-nos a sofrer, a ter medo, a duvidar.
Ele está bem. 



[obrigada a todos. mensagens, palavras, abraços, gritos no megafone, meias e dorsais fofinhos. obrigada. a sério]

5 comentários:

  1. Pra mim a corrida surgiu como um escape há pouco menos de 1 ano. Cortar ontem aquela meta foi muito mais do que "cortar a meta". Foi por um ano (muito muito) difícil foi por haver quem não acreditasse em mim. Ontem chorei. Nunca pensei chegar aqui. Compreendo bem o que sentiram! ;)
    Um beijinho
    (E ainda bem que ele está bem) ;)

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    1. Obrigada, Bi! Percebo o teu choro! Espero que nesta altura, seja de alegria! Bj

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  2. No fim só vemos a glória da chegada, para trás ficam todas as coisas boas e más até lá chegar. E aqui, isso ficou tão bem descrito. Se te visse agora dava-te um abraço apertado. Ainda bem que o "a seguir" não passou de um susto. bjs

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    1. Obrigada, N. São estás histórias que fazem a nossa história! A vida passa rápido! Beijo

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  3. Escreve cada vez melhor. Adoro estas mini-reportagens.
    Alexandra

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