terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Ó gorda, tu corres?


Tiro, pequenos passos que não acompanham a adrenalina. Cores e cheiros que se misturam. Marco o tempo pois já vejo o cinzento do chão. Encosto-me a uma extremidade e entro na passada que não mais deixei. O barulho começa a diminuir e o cinzento domina. Não vejo nada nem ninguém. Olho para o chão e lembro-me do que o Pedro me ensinou. Passadas leves, como se não quisesse acordar ninguém. Joelhos levantados e costas direitas. Ainda assim, mantenho o olhar no chão. O vício de quem já o conheceu de perto. A minha concentração é diferente. Angustia-me vê-los passar à frente, ouvir gente a rir e a conversar. Não quero ficar para trás. Interrompo o meu ritual para perguntar onde estamos. Não quero saber do sítio. Não distingo zonas que não estou a ver. Quero saber dos meus pés, dos meus joelhos, da minha respiração. O atleta que partilha a minha estrada diz-me que vamos nos quatro. Eu apostava nos sete. Não são os meus habituais quatro. Os meus fáceis quatro. Notou a minha surpresa. 'Não penses no 'ainda', pensa no 'já''. Sorri a custo. Não deviam fazer corridas tão tarde. Não deviam fazer corridas com sol. Nem com subidas e descidas. Nem com pessoas que correm mais rápido do que eu. Entro no transe. Não páro. Nunca. A mesma passada, sempre. Vou por este tracejado. Sigo aquelas pernas. Sempre em frente. Provo água e deito-a fora. Não consigo engolir. De repente tenho frio. Estou completamente arrepiada e sei o que tenho de fazer.  Na descida descontraio os braços e olho em frente. Vejo atletas, daqueles que parecem mesmo atletas, e vejo-os a parar. As subidas são difíceis e ganho mil medalhas invisíveis quando passo ao lado deles. Dos que pararam. Nesta altura, já dei a volta e já tirei os olhos do chão. Sei que faltam uns quatro kilometros e já não me custa. As pernas andam sozinhas e o corpo voltou a aquecer. Ouço algumas pessoas mas não as vejo. Não me atrevo a olhar para o lado e a perder o meu norte. Desvio-me das garrafas e das pessoas. Penso em coisas. Que está muito sol. Que vou beijar a minha medalha. Que está muito sol. Olho em frente e vejo as árvores, primeiro. Corro na Avenida da Liberdade e de repente isso enche-me o peito. Vejo o vermelho da meta e sinto aquela alegria. Genuína, boa, minha. Fui eu que fiz aquilo. E quando me dão os parabéns na chegada, eu aceito. Porque são meus. 
Obrigada Catarina, pelo empurrão no início e pelo abraço no fim. Juntas funcionamos.
Sofia, esta é para ti.

3 comentários:

  1. Acabo de conhecer o blog agora mesmo. Neste momento.
    Começo por este post que amei. Automática e involuntariamente comparo com o meu da S. Silvestre - Porto deste domingo! E não paro de rir... Está brutal este relato! Adoro a autenticidade.
    A corrida é também (?) uma paixão recente. Muitos Parabéns pela vitória e por nesta altura já sabermos que, custe o que custar, vamos conseguir muito mais!
    Parabéns pelo blog, acho vou ficar por aqui :)

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  2. tão queridas que vocês são e grandes! :D adorei este post! *

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