Às vezes vou na
auto-estrada e já não sei. Toco na manete das mudanças e continuo sem saber.
Não me recordo se engatei a sexta ou ainda vou em esforço numa quarta parecida.
Nem olhando para a imagem que reflecte as rotações, consigo distinguir. Esqueço-me.
E volto ao início, obrigatoriamente. Volto ao centro e engato, novamente, a
sexta mudança apercebendo-me que era lá que afinal estava. Lembro-me disto
quando penso no meu peso. Não que não saiba em que ponto estou porque é por
demais evidente. Mas sim porque muitas vezes perco este norte e esqueço-me. E
tenho de voltar ao início e colocar-me no caminho certo. É assim, desde que me
lembro. Nunca tive propriamente um alerta, um turnning point associado a uma qualquer problemática da minha vida
pessoal. É uma espécie de ciclo constante com altos e baixos que vou
percorrendo desde que entrei na minha adolescência. Um padrão que reconheço
pelos dois extremos que experiencio. Ora, esqueço tudo, a balança, os perigos,
as consequências e dou vida ao meu prazer imediato e à minha culpa sempre
presente, ora… entro numa espiral de preocupação e faço tudo o que a minha
mente e corpo me permitem, até minimizar esta minha condição: de pessoa que
gosta de comida, é certo mas, essencialmente, de pessoa que come emocionalmente.
Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que se estou triste como para compensar
e se estou contente, como para festejar. Hoje, tenho menos 15 quilos do que já
um dia tive. Mas hoje, tenho mais 5 kilos do que já um dia próximo tive. Tenho
roupas de todos os tamanhos e um humor que flutua entre estes estados. Sou
incomparavelmente mais feliz com menos peso mas, por vezes, tenho dúvidas se
esta felicidade compensa todos os esforços que tenho de fazer. As vezes que
saio à noite, para correr no escuro e ao frio. O peso dos quilómetros nos
joelhos e tornozelos. A vontade de comer enganada com chá e um deitar mais
precoce. O mau humor… a irritação… mas quando ganha a força de vontade, e nasce
um novo dia, sinto que sim- vale a pena o esforço. Olho para o espelho e sinto…
primeiro orgulho. Pela minha força e tenacidade. Depois, num segundo olhar,
sinto-me bonita. Sim, bonita. Não como gostava de um dia ser mas, ainda assim,
bonita. Vale a pena. E desejo, em silêncio, que esta repentina descontracção não
dê origem ao tal esquecimento e a um novo ciclo, daqueles que conheço bem. Ainda
não digo o meu peso. Toda a gente sabe! E quando não o digo, estou a dizer,
sim, que me envergonho. Que a minha aceitação é ainda parcial. Que ainda tenho
dúvidas. Como quando tinha 15 anos e corpo de 25. Quando comecei a ser
diferente. Com altura e curvas que eram inexistentes nas minhas amigas. À luz
da distância e com muitos menos quilos do que hoje tenho, vejo que estava bem.
Muito bem. Mas, infelizmente, depois de me dizerem uma e duas vezes que não
estava, acreditei e foi esta crença que desviou-me do meu caminho. Achei que
era gorda. Gorda mesmo, quando não o era. E deixei andar. E quanto mais deixava
andar, mas dava razão a quem não a tinha. E mais eu acreditava que era o que
não era. E depois a confusão é grande. Porque passei a ser. Gorda. Mas ainda
assim, tinha o meu amor sempre presente. E outros amores a rondar. E achava que
estava tudo bem. Numa aceitação ilusória que acendia as luzes de alerta quando,
de repente, ia a uma loja e a roupa não me ficava bem, ou ficava a transpirar a
subir umas escadas, ou começava a desviar os olhares do espelho ou dos vidros
que assumiam a mesma função. Quando sentia vontade de rasgar as fotos que me
lembravam a minha verdadeira imagem. E lá vinha outro ciclo de força, com toda
a gente à espera de resultados, numa pressão que me ensinou, posteriormente, a
esconder todos os esforços. Não distingo alturas. Seriamente, não. Distingo
estados de alma, talvez. Hoje, com menos 15 e mais 5, sinto-me bem. Mas ainda
não digo o meu peso.
Obrigada, Catarina. Por me teres enviado uma mensagem que não esperava receber. Por me teres feito chorar durante as trinta páginas iniciais do teu primeiro livro, sabendo que me farias sorrir logo em seguida. Por me escolheres para o segundo livro. Por teres entrado na minha vida.
Fazemos quilómetros juntas mas, acredito que percorremos mais do que aquelas estradas.
Gosto mesmo muito de te ler. Muito mesmo.
ResponderEliminarÉs incrivelmente pura. E escreves tão bem, já te disse, não já? Admiro-te muito, Ana.
ResponderEliminarlindas, as duas!
ResponderEliminarainda estou à espera de ler o livro, mas adorei o teu texto. identifiquei-me tanto... parabéns!