segunda-feira, 12 de maio de 2014

Pelo sim, pelo não, vou esconder a fita-cola...

Posso afirmar que sempre fui uma pessoa de recursos. Principalmente na vida estudantil, eu rentabilizava todas as hipóteses ao meu dispor. Nada falhava. Apontamentos a cores diversas e exaustivos. Estudo sistemático com leituras audíveis. Perguntas mentais e respostas sem som. As etapas eram percorridas e não contente com a margem de erro, ainda me dedicava à arte de cabular. Ao fim ao cabo, era apenas uma segurança. Se a memória me pregasse uma partida, lá estavam elas- dissimuladas- a garantir a minha consistência. Começaram por ser pequenos papéis, escritos à mão e depois forrados com iguais doses de mestria e fita-cola. Lembro-me do meu pai me comprar uma máquina de calcular com uma tampa que deslizava possibilitando a escrita a carvão, invisível a uma distância superior a três palmos. Daí a pequenos papéis, escritos no amado Word e reduzidos ao tamanho mínimo permitido pela minha miopia, foi um pequeno passo. Quase uma profissionalização, que na verdade não era necessária. Afinal, o processo, de tão trabalhoso que era, dispensava-me do risco que era sacar dos pequenos auxiliares, com a face ruborizada e a postura corporal de quem rouba uma melancia e a esconde no bolso da camisa. Poucas foram as vezes que troquei folhas de rascunho escritas em casa, pelas brancas que nos eram dadas para organizarmos o nosso raciocínio. Fi-lo na faculdade, naquelas matérias que de tão chatas que eram impediam a minha mente de se interessar por elas. Fruto da idade e de uma descontração que foi surgindo, fazia-o já sem grandes tremores. De todo o modo, tinha a plena consciência de que, mesmo essas folhas ilícitas, para que surtissem efeito, tinham de ser bem escritas e estruturadas e pensadas. Envolviam trabalho. 
Eu era uma pessoa de recursos mas os recursos encerravam em si, todo um esforço que eu conscientemente valorizava. Lembro-me agora disto pois tenho na mão uma folha de rascunho. Faço esquemas com os exames dos meus filhos. Datas, horas, documentos e material necessário. O que pode e não pode estar na mesa. O que não deve faltar. Parei na caneta preta para o quarto ano e na azul para o segundo ano. Parei na esferográfica de tinta indelével, seja lá o que isso for. Perante as orientações e regras transmitidas em reuniões, emails e recados impressos temo agora que me conheçam. Que tudo tenha a ver com o meu passado clandestino. Temo, agora, que revistam os meus filhos, numa sede insaciável por esquemas maquiavélicos para esconder a tabuada do quatro. Apetece-me relembrá-los (aos das regras) que a inocência se vai perdendo, com um tempo que julgo que ainda vai longe. Dizendo-lhes, ainda, que era a minha filha que levava a batalha de São Mamede escrita desde o início da mão até perto do cotovelo. E que eu me ri, antes de lhe explicar que não era permitido. E que falamos da primária. Da primária! Numa altura em que os miúdos ainda gostam de canetas de cor roxa e verde. Mas tudo bem! Não permitirei que levem "meios de comunicação móvel, ligados ou desligados"... E cenas que não sejam indeléveis...

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