sábado, 27 de setembro de 2014

[Gostas de mim?], o desafio da Raquel

A Raquel lançou-me um desafio: escrever sobre mim. Já passaram uns dias e sempre que penso numa introdução, tenho tendência a escrever linhas mentais sobre... ela... Talvez diga logo à partida, algo sobre a minha personalidade. Tenho dificuldade em manter o foco na minha pessoa. Quase uma vergonha, como se escrever sobre mim fosse um exacerbado auto-elogio que perde aquela sensação boa de resultar da perceção de outra pessoa. Assim, farei o que me parece mais inteligente. Escreverei sobre mim e aguardarei, serenamente, um reforço positivo da vossa parte. E como decisão estratégica que é, eliminarei comentários negativos... [a pessoa vai aprendendo]

1. O que sai sempre contigo de casa?
As chaves. Sempre as chaves. Dentro da mala, enfiadas no bolso ou amarradas às calças de corrida, nunca me esqueço delas. Venho de uma altura em que, de quando em vez, me via obrigada a sentar-me nas escadas do prédio. Sem telemóveis e meios ultramodernos de comunicação, se tinha o azar de me esquecer delas -das chaves- tinha de me sujeitar a arcaicas estratégias de enfrentar o infortúnio. A primeira reação era a busca ativa. Depois de vasculhar a mochila, vasculhava as ruas. Com quatro irmãos como solução, procurava na sala de jogos, no café por detrás da escola, na praceta de cima, na praceta de baixo, na praceta do lado. Perguntava aqui e ali. Se nem a quantidade de possibilidades me safava, sentava-me no mármore frio. Olhava para a paragem que trazia o autocarro da minha mãe. Dava a volta pela rotunda e nesse momento eu tentava adivinhar-lhe a presença num qualquer lugar do 48. Lá vinha ela. Com as chaves. Nunca saio sem as chaves. 

2. Qual o teu animal favorito?
Não gosto desta pergunta. Sinto que é a mesma coisa que me perguntarem qual a minha cor preferida ou a minha comida de eleição. Não há uma resposta. Gosto de castanho no inverno e adoro branco com o azul da ganga, no verão. Gosto de caril de frango porque sabe ao amor dos meus pais e gosto de founde de carne porque é sinónimo de amigos e confusão. Não há uma resposta. Animais? Gosto dos meus animais. Da minha Bichinha que deixou um espaço vazio dentro de mim. Gosto do Riscas que dei à minha mãe e que me conforta porque a conforta. Gosto da minha Maggie porque me alenta com o cheiro do meu pai. Gosto de gatos. Mas podiam ser cães ou perus.

3. Qual o teu sapato preferido?
A minha resposta é "o pequeno". Os sapatos dos meus filhos- no plural. Aqueles que eu lhes comprei quando ainda comiam de duas em duas horas. Minúsculos e perfeitos na réplica. Sem préstimo para além da minha vaidade. Sem dúvida, esta é a minha fácil resposta. O resto- os meus- não têm interesse nenhum e muito menos memória. Vão alinhando com a moda, em termos de cor, feitio e altura e morrem com o uso ou pela traição de uma nova tendência.

4. Produto de maquilhagem indispensável?
Agora que confessei não ter nenhum fascínio e fixação com sapatos e destruí a minha imagem feminina, vou garantir um suicídio efetivo com a minha próxima resposta. Não tenho... preparem-se... Maquilhagem indispensável. Quase que me encolhi agora como se aguardasse pauladas nas minhas costas. Detesto batom. Não controlo o batom. Receio que vá parar à bochecha ou à minha mão e depois à minha camisa branca. Não acho que acrescenta nada a cor natural do meu corpo. Lábios muito vermelhos depois de comer, rosa nos restantes tempos. Gosto de os mordiscar e não ficar a pensar se a cor se mudou para a superfície branca dos dentes, como uma qualquer fábrica com mão de obra mais barata. Não gosto de batom, ponto. O rímel é incompatível com a miopia e não há nada a fazer. Lentes de contacto não se dão bem com pós e pózinhos. Base. Bem, já usei. Quando casei, talvez. Faz-me confusão. No fundo tenho medo de ter a cara com a cor da Caraíbas e o pescoço e restantes membros com os tons dos Alpes suíços. Gosto de lápis nos olhos. Cor castanha, sempre. Mas não me importo de não fazer estas linhas. Faço quando me lembro. Acho que me fazem bonita. Esqueço os olhos de formiga e engano-me com um ar mais rasgado que dura, sensivelmente até às onze da manhã.
[Se ficou decepcionado com estas respostas, esta leitura terminou aqui. Se aguenta mais uns pormenores estranhos,  avance.]

5. Qual o teu maior sonho?
Chateia-me este singular. Uma pessoa não tem UM sonho. Vai construindo os seus castelos nas nuvens, a cada 5 minutos, a cada dez centímetros adquiridos. Vai achando que aquilo é um sonho e depois de o ter na mão, sente que afinal era um desejo. Um ímpeto. Olhando para trás, já tive muitos. Ter uma boneca, um gato, ser bailarina, entrar na faculdade, segurar a chave da minha casa, conhecer o meu bebé, conhecer o outro bebé, escrever um livro, não perder alguém, conseguir ter -só - saudades de alguém. Mas, lembro-me, desde sempre, de desenhar casas. Casas mesmo. Com uma porta térrea, uma árvore e um jardim. Com flores. Se tivesse de eleger um sonho, escolhia esta casa. Onde caberiam os meus bebés, os gatos, os sapatos e até o batom.

6. Qual o teu maior defeito?
Dizer o maior defeito é demasiado. É como dar-vos a chave. Ensinar-vos a ter tudo [ou quase tudo de mim]. Vou dizer "não" mas não vos deixo sem resposta. Vou dar algumas pistas, coisas isoladas, que somadas, constituem a "big picture". Drama queen, só a mim é que as coisas acontecem. De neura fácil. Com a mania que tudo tem a ver comigo. Não é a terra que dá a volta ao sol, é o sol que às vezes circula pelo meu planeta e só não me ilumina a mim. 
[Se quiser parar de ler agora, eu entendo.]

7. O que te irrita nas pessoas?
Fácil. Muita coisa. Não gosto de pessoas más. Não percebo as pessoas más. O prazer que daí advém.... Gosto de fingir que não sei. Aceito os abraços e as frases fofinhas e divirto-me com a sua esperteza curta. Adoro observar.
Não gosto de pessoas que põem as outras para baixo, para se sentirem para cima. Tenho pena dessas. Ó vida triste! 
Resumido aquilo que não gosto, chego às irritações. As manias. A arrogância e altivez. A postura superior confundida com uma suposta segurança. Quem mexe o café sonoramente, durante dez minutos. Quem só revela o melhor. Quem mastiga de boca aberta. Ou não responde às mensagens. Não gosto de tanta coisa. Mas, convenhamos, às vezes também não gosto muito de mim. Quem é que nunca fez nada disto? [Excluindo a parte da boca aberta, depois de aprender a usar a colher]

8. Qual a tua comida preferida?
Eu sabia que havíamos de chegar aqui. 
Gosto de quase tudo, infelizmente a verdade é esta. Gosto da comida que me trás memórias e gosto de comida, só porque sim. Adoro pão. Branco, escuro, com sementes ou às bolinhas. Adoro. O queijo dá-me prazer. Reviro os olhos, saboreio os paladares fortes e não excluo quase nenhum. Gosto de bolos. Olho para a montra e não decido. Gosto de todos e sinto-me capaz de engolir mais do que um. Ia um pastel de nata, um mil folhas e um palmier coberto. Também gosto de tarte de amêndoa ou de maçã. Se forem as duas, ainda melhor. Bolos caseiros também são a minha onda. E é quase um oceano. E também gosto de salgados. Não há cá opção A em detrimento de opção B. Empadinhas, rissóis, pastéis de massa tenra. São onze e meia e já penso no almoço... Gosto de bifes com batatas fritas, no Cantinho e arroz de polvo no Eduardo das Conquilhas. Adoro o sushi no Sushi Café e a picanha com alho na Mercearia Vencedora. Se estou triste, consolo-me com comida, se o sentimento é de alegria, festejo com... comida. Uma cabeça gorda, nada a fazer. 

9. Dolce ou salgado?
É pá! Os dois! Juntos de preferência. Não só na comida, como na vida. Contrastes bons, desequilíbrios salutares, passo à frente, passo atrás. Tudo menos o cinzento. Tudo menos o azedo e o amargo. 
Aceito acidez, q.b..

10. O que te deixa feliz?
Muita coisa deixa-me feliz e saber reconhecer isso, faz parte dessa felicidade. Os meus filhos aconchegados um no outro, a saúde da minha família, roupa passada a ferro, torradas com queijo queru, o bem-estar de quem gosto, uma mensagem inesperada, música, leite creme com açúcar queimado, o chão lavado, um elogio, dois elogios, fotografias bonitas, uma boa piada, o meu sofá com manta, roupa nova, ir ao cinema, chatear o meu homem até ao seu suspiro, boas notas, os pés na água do mar, gelado de caramelo, o silêncio, a boa confusão, tostas com molho de sapateira, flores mesmo que depois morram, dar colo, receber colo. 


Fogo, estou cansada. É bom que gostem de mim!

[nota importante: à superfície somos todos lindos e espectaculares, à lupa...todos somos tremendamente estranhos.]



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