sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Querida filha que acabaste de entrar na idade do armário

Lembra-te que eu estive treze horas em trabalho de parto após andar nove meses a arrastar-me, qual foca. Recorda-te que tive dores excruciantes que quase me levavam ao desespero. Não desconsideres a pancada que dei na cama de hospital logo após aquele toquezinho meigo capaz de levar uma formiga a parir um elefante. Nem te vou elucidar acerca das miudezas privadas e dos tempos que levei com uma cinta até ao pescoço, na ambição de recuperar uma tonicidade perdida. Lembra-te, filha, que choraste todas noites do teu primeiro mês de vida. Que te fiz ginastica, qual rã, experimentei bicos simulados, tetinas supostamente naturais, xaropes doces e mimos afins. Que cantei músicas de embalar até eu própria adormecer e fiz vozes de falsete vezes sem fim. Recorda-te que cheguei a escorregar da tua cama para sair de gatas tal o desespero de não ser ouvida e que retornei quase todas as vezes perante os teus... direi lamentos. Que misturei a história do lobo mau, com a da carochinha e pus o João Ratão a matar com pedras a avózinha. Que te mudei a roupa a cada bolsar [ou algo pior] com o mesmo carinho que aspirei os teus vestígios nasais. Que dormi ao teu lado a cada febre, a cada pesadelo, a cada carinho solicitado. Que te transportei sobre os meus braços e que te embalei junto a mim. Que chorei às escondidas quando te sentiste pela primeira vez triste -como as pessoas grandes sentem- e que me impedi de te defender das injustiças que terás sempre de enfrentar. Recorda-te que caminhei ao teu lado nos primeiros dias de escola e me afastei nos seguintes. Que te contei segredos só nossos e ouvi os teus. Que pintei o teu quarto de rosa e mudei para o azul que anunciava o teu crescimento. Lembra-te, filha, mas lembra-te mesmo, filha! Antes de me revirares os olhos, antes de me encolheres os ombros ou de me dizeres espeeeeeera, recorda-te: pode não te parecer, mas o amor de mãe é o maior que irás conhecer. 
{se não te recordares, lembra-te só que sou menina para castigos sem final definido}



6 comentários:

  1. que porra... lá me fizeste vir a lágrima ao olho outra vez...

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  2. Mas que raio... Pensava que isto era um blog divertio e não um blog para chorar... Logo de manhã!

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  3. Isto é uma fase...muito complicada!! Mas ela sabe tudo isso, relax!! :o) E quando for mãe vai fazer tudo igual, mesmo que não reconheça mérito nenhum na sua... A verdade é que eles vieram ao mundo para nós não termos veleidades, estou mesmo convencida disso. Tenho 4. Um entrou na maioridade na semana passada (depois de muitos anos no armário...), dois adolescentes e um de 3 anos. Temos de saber valorizar mais o que têm de bom e não ligar a estes amoques! Afinal, é sinal de que está tudo a correr como é suposto!!

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    1. Obrigada por este comentário! Às vezes tenho dúvidas... talvez precise de um workshop, Cartuxa!
      Bjs e obrigada!

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  4. Muito bom! Eu acho que elas no fundo sabem, mas de vez em quando precisem que lhes avivemos a memória. O revirar dos olhos faz parte... também já o fizemos.

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