domingo, 2 de novembro de 2014

Vida complexa com coisas simples

O problema é querer escrever um tratado. A questão envolve palavras caras, frases complexas e ideias inovadoras. Uma inspiração, uma polémica, qualquer coisa. Não simples, extraordinária. O problema é esse. A vida- pelo menos a minha- não é assim. Hoje, enquanto corria com a Catarina, falava disso. A ausência de conteúdos pela presença de banalidades. O dia- a- dia. O pequeno-almoço aspirado sob os limites do tempo que é acelerado quando saltamos da cama, o nosso saber e competência que se divide pelas inúmeras tarefas, o almoço que foi o jantar, os objetivos a cumprir, o brio de os superar, a corrida ao supermercado, as receitas engendradas a olhar para as prateleiras, os banhos obrigados, os trabalhos de casa quando não terminados, as mochilas desfeitas e feitas, o jantar alinhavado, um discurso mecanizado "Como foi? Porque fizeste isso? Sentiste-te bem? Gostaste do almoço? O que queres vestir amanha?", uns minutos de vida alheia pela televisão, uns beijos rápidos pela noite já avançada. Não é um texto... é uma frase interminável! Uma frase que desafia as regras gramaticais mas que respeita a cadência dos meus tempos, dos nossos tempos. 
Aquele outro, escreveu sobre a felicidade das mulheres quando eram outras. Quando permaneciam em casa e o seu trabalho não remunerado se circunscrevia a cuidar dos seus. O cansaço dos meus dias, a força das minhas rotinas poderia despertar em mim um sentimento de identificação. Fácil, fácil. "Antes é que era!" Boas mães, boas mulheres, boas gestoras daquela que seria a nossa profissão natural. Às vezes, o resultados destes [novos] papéis deixam-nos assim, na dúvida. Mas não é verdade. Existem conteúdos, sim, muitos. As rotinas existem porque permitem a nossa estabilidade. As rotinas existem porque são necessárias à manutenção de uma vida organizada e ao sentimento de segurança. As rotinas dizem-nos que estamos bem e que o amanhã seguirá o plano que construímos diariamente. The big picture- é a soma dos nossos "não-conteúdos" permanentes. É desses que se faz a nossa história. E depois existem os pequenos momentos. Que acrescentam sal e pimenta, que aromatizam a vida e que nos dão folga à gravata. Uma festa a meio da semana, uma boa conversa com uma amiga em vez da corrida programada, um jantar desarrumado e barulhento, uma zanga, umas pazes, um novo desafio. 
Prefiro ser esta mulher. Esta mulher que se cansa, que refila, que desabafa. Mas esta mulher que tem conteúdos. Mesmo que sejam banais. Ou aparentam ser banais...

Uma objetiva. Uma foto programada. O Pau Storch e o Santi. Um momento inesperado, com muito conteúdo. 













2 comentários:

  1. Olá, como o mundo é pequeno e que agradável surpresa foi chegar a este blog. Tudo se encaixa quando percebi quem era.
    Conheco-a, é amiga da Filipa Thedim. Vim até ao seu blog através da revista 30dias e fiquei a ler porque adorei a sensibilidade, o humor e os conteúdos do blog.
    Parabéns

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Curioso, mesmo! Obrigada pelas simpáticas palavras! Beijinhos

      Eliminar