sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Uma profunda reflexão. Uma brilhante conclusão.

Ontem, uma colega  dizia-me que, quando o filho tinha cinco anos, não conseguia dar-lhe um determinado comprimido, por ser demasiado grande. Agora, com dez, já era possível porque "felizmente, são mais pequeninos". Achei piada. Como calcularão, o medicamento é o mesmo. Apenas mudou a perceção da mãe tal como muda a nossa, diariamente, face a tantas coisas. 
Esta semana fui a Lisboa. Resolvi, porque resolvi, que viria para casa de elétrico. Daqueles antigos, com chão de madeira e janelas empenadas. Daqueles que param muitas vezes e andam devagar e, que na minha mente, são perfeitos para um final de dia na cidade. Imaginei-me sentada naquele estofo castanho, iluminada pela luz do entardecer, a tirar poéticas fotos para depois partilhar exaustivamente, qual amante da minha Lisboa. 
Afinal o comprimido não era grande, nem pequeno. Era quase uma injeção de penicilina. Galguei meia cidade até chegar à estação do Cais do Sodré, caminhei pela rua quase deserta e acelerei o passo perante os impropérios de um homem que me seguia e que encarnava o perfil tipo de um cinematográfico serial killer. Cheguei à paragem. Lembrei-me que era o 15 e muni-me daquele cartão verde que uso quando me armo em jovem e vou a um qualquer concerto. Saquei de umas poucas moedas e acenei ao sr. condutor de forma esquisita. Tenho de fazer aqui um parênteses. {Na verdade, eu não sabia como raio é que havia de avisar que pretendia beneficiar daquele serviço. No meu tempo, quando andava de transportes públicos, acenava assim de lado, com um ou dois dedos, como estava instituído. Ora, eu não sabia se os tempos agora ditavam outras regras. Quiçá um gesto mais moderno, um like gestual, as mãos em forma de coração, uma selfie com o bilhete... não sei. A verdade é que não queria dar parte fraca. Lá vinha o eléctrico e eu simulei um gesto. Foi qualquer coisa como um braço levantado e uma mão descontrolada, tipo espasmo. Certo é que parou.} Fim de parênteses. Bom, continuando, apresentei-me ao Sr. e mostrei-lhe, qual incapaz, o cartão verde e as moedas. Olhá-mo-nos mutuamente, como um turista e um indígena da floresta Amazónica. Disse que queria pagar um bilhete e perguntei como se fazia. A reação foi semelhante à entrega do IRS, numa repartição das finanças, exatamente às 17h28. Bufou e murmurou uma qualquer explicação. Sacou-me três moedas de euro e esperei que me devolvesse duas. Nada. Senti que poderia ter comprado, com aquele dinheiro, um bife de vaca e ter feito o percurso desejado com os meus ténis maravilha. Enfim, mas esperava-me o paraíso. Ou não. Virei-me e parei nas costas do Sr. Não andei mais. Tive o tempo todo a fazer força, como se fosse ter um terceiro filho, para evitar que o profissional sentisse as minhas maminhas no seu pescoço e casaco de cabedal. Com a mala na mão, o casaco no braço, o cachecol a limitar a minha margem de manobra e o telemóvel entre os dedos, fiquei automaticamente apta para ingressar no Circle du Solei. Tirei uma foto e a injeção de penicilina passou a comprimido em cápsula. Dei uns passinhos e fiquei colada a turista espanhola com perna engessada (espetada, portanto). A bendita queria, porque queria, saber qual a paragem mais próxima da Torre de Belém. Ora, eu sorri muitas vezes e fingi ser proveniente da África do Sul. O Sr. mais próximo, que também estava colado a outra parte do meu corpo, resmungava "três paragens". A espanhola não percebia e ele gritava "três". Eu desviava-me para que a espanhola engessada conseguisse visualizar os três dedos do senhor que mais parecia estarem prestes a ser enfiados nos olhos da dita. Enquanto me desviava ouvia a conversa de uns miúdos que tinham a altura dos meus filhos. Ao invés de falarem da Violetta ou do Inspector Max, como eu esperava, dissertavam sobre a arte de fazer o amor, com linguagem do falecido canal RTL, após a meia-noite. E faziam e aconteciam e a espanhola de perna para cima e o homem com os dedos em riste, e eu em pé agarrada a um tubo de aço inoxidável. Uma cenaça. A espanhola levantou-se. E com ela seguiram-se mais duas e mais as muletas e o homem gritou que era ali. O condutor exigia que se despachassem. Os miúdos babavam para cima de uma moçoila, eu reparava no sinal que alertava para os carteiristas e o sol já nem aparecia. E voltou a injeção. Isto tudo para dizer que, isto das perceções pode ser uma merda.



4 comentários:

  1. :D :D :D Não me pude impedir de rir!
    Quando criamos perspectivas, o evento dificilmente nos corre como esperávamos. Quando não as criamos, surpreendemos-nos pela certa! Quer dizer... esta é a minha perspectiva. ;)

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  2. O que eu me ri com esta incursão nos transportes públicos! Senti-me irmanada na aproximação a quem nos permite fazer a viagem...ou seja, o senhor dos bilhetes ou do conteúdo de um cartão que levo na mão, na esperança que esteja válido! Mas tenho sempre muito MEDO!

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