quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Já fui ao Brasil Praia e Bissau Angola Moçambique Goa e Macau Ai, fui até Timor Já fui um conquistador...

Pedi para ela a ir buscar à escola. Eu estava a meio de uma reunião e a pequena não se sentia bem. Seguiu as minhas indicações e quando lá chegou, não se lembrava do nome da minha filha. Simplesmente não se lembrava. Os segundos passavam, os minutos e o olhar incrédulo de quem lhe abrira a porta, mais nervosa a deixava. Estava ali mas não estava. Estava dentro da sua cabeça mas não saía. Ficou nervosa, preocupada. O nome apareceu, como desapareceu- sem explicação. Rimo-nos muito. Não se esquece o nome de quem nos é próximo. Supostamente. Rimos, porque escolhemos rir. Como quem vê o copo cheio. Já passaram uns poucos dias e continuo a pensar nessa "branca". Lembro-me da Alice que há pouco li mas afasto essa ficção. Nego qualquer semelhança com algo tão real. O copo transborda a água e na verdade recordo-me de tudo o que me esqueço, fundamentando. A memória é lixada para não dizer uma coisa feia. Espanto-me com a arbitrariedade- ou não- das escolhas cerebrais/ emocionais que são feitas. Lembro-me de tanta coisa e outras é como se não tivessem existido. Recordo-me do meu primeiro beijo, por exemplo. Lembro-me de sermos da mesma altura e de olhar para os lábios dele. Quase uma câmara lenta que gravei e localizo no cimo da escadas da escola, mesmo ao lado do Pavilhão B. Não me lembro do apelido dele. Não consigo mesmo recordar-me. Lembro-me da pápa de pêra abacate, limão e açúcar, da ceralac nos pratos em flor, dos passos do meu pai antes de colocar a chave na porta mas não me lembro de um único brinquedo meu. Vejo o skate de um irmão, a bicicleta vermelha, o Bart Simpson na mesa do caçula e... nada meu. [pronto, recordei-me do careca] Vejo-me a entrar na cozinha em passo acelerado, por um pé no azulejo e... branca. Não sei o que fui lá fazer. Tento adivinhar abrindo os armários, olhando para a roupa estendida e acabo por dar utilidade à minha presença ali- mas não sei bem se era aquela a ideia inicial. Lembro-me da Mónica, a minha melhor amiga na escola primária e penso muito na Carmo que não brincava com ninguém. Lembro-me agora dela porque só agora realizo a sua preocupante tristeza. Desejo que tenha passado. Não me lembro de um único professor da escola preparatória. Fecho os olhos e vejo as salas e os corredores. Estranho, não é? Não me lembro quando nasceu o primeiro dente do meu filho. Seis meses, 10 meses- não faço a mínima ideia. Lembro-me dos meus irmãos me chatearem. "Ana, banana, macaca, cigana". O cafuné, à noite, à minha mãe. Os penteados com a escova preta. Não me lembro das matriculas dos meus três primeiros carros. Memorizei pelo menos dez da frota do meu trabalho. Sei quem anda com qual. Carrego o número de contribuinte como o nome de um filho. De trás para a frente. Sei passwords sem fim. Cartões multibanco, emails, cartões cidadão, acesso a escolas e afins. De todo um agregado familiar. Os números aparecem-me naturalmente. Demoro minutos a identificar uma cara. Não sei se é da piscina, dos escuteiros, da catequese, das corridas, do trabalho, da escola, do trabalho dele, do futebol, do diabo a quatro. Sei a letra completa da música "Conquistador". Recordo o movimento dos meus braços quando a minha mãe enrolava o novelo para o crochet.
Podia estar aqui horas e horas. A nossa mente memoriza sob critérios que desconheço. Coisas boas ficam e algumas más são inesquecíveis. Pormenores esfumaçam-se ou transformam-se em grandes marcos. Não sei explicar. Nem sempre me faz sentido. Nem sei se tem, de facto, algum sentido. Vamos guardando coisas e esquecendo outras. Acho que o que tem importância-boa ou má-acaba por ficar. 
Inês- Fonte Caspolina- não sei a idade...

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