terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Quase sempre, coiso

Isto do amor. Tanto para falar, nada para concluir. Interpretações que servem para cada pessoa, entendimentos que mudam com as circunstâncias, os lugares, os tempos, as pessoas, os humores, os cheiros e sei lá mais quantas variáveis. Amor pela vida, pelo semelhante, pelo diferente, pela arte, pelos bichos, pedras, calhaus e afins. Amor que nasce e morre, amor eterno- amor que dói e amor que explode em prazer. Palavra que é muda ou anunciada aos quatro ventos. [Guardada por alguns, esbanjada por outros.] Tanto para dizer, nada para concluir. Sabemos que aquece, conforta e dá sentido. Sabemos que destrói, que tira, que dói. Nada para concluir.
Hoje no médico, em fase prévia, perguntaram-me "fuma?" - não. "E beber, bebe?" - não. "E coisar? Ao menos coisa?"
A pergunta devia ter sido: "ao menos ama?" Acho que era isso que ela queria dizer. Ou é nisso que finjo [para este efeito] acreditar... Se amar é sair de nós- como sinto que é- amo muito. A toda a hora.
Esquecer a minha existência e desejar apenas e só para outra pessoa. "Vou rezar por ti." Disse-lhe hoje quando a tinha ao meu colo. Ela chorava em silêncio. E eu repeti. "Vou rezar por ti."
Limpei-lhe as lágrimas e percorri as suas sobrancelhas com os dedos até a sentir calma, segura. Adormecida nos meus braços.
Coiso a toda a hora, sim. Ao menos isso.
Sem conclusões.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

As nossas razões são a nossa verdade

Separamo-nos desde que nascemos e dói sempre. Sempre. Separamo-nos do ventre da nossa mãe, mudamos de mesa na escola, dizemos adeus ao quarto da nossa meninice, deixamos os irmãos, choramos namorados e até aquele primeiro carro que pura alegria nos concedeu. As separações são sucessivas e nunca nos habituamos. A morte será talvez o expoente máximo da dor pois não há opção, liberdade de voltar atrás, pedir desculpa ou apenas vislumbrar ao longe. Mas há outras tantas dolorosas. Quando nos despedimos de um amigo que continua à nossa frente ou quando não compreendemos o adeus do outro. Tenho assistido a muitas separações. Algumas vivo, noutras sou mera observadora de bancada. Não deixam de custar por isso.
Tenho 39 anos e tenho pensado nisto. Que sou demasiado nova para ter perdido a comum (diria normal) indignação. Não reconheço nenhum julgamento em mim. Isso assusta-me. Será uma perca de fé ou uma tolerância desmedida? "Agora percebi que me traiu toda a vida. É um monstro." Não é. É o meu amigo. Aquele que sempre conheci assim. Aquele que viveu sem pai e sem mãe. Que encontrou nas relações fortuitas uma forma de atenção, de poder. O meu amigo que sempre olhou apaixonado para ela mas que nem isso chegou. Nem se misturou! Isso desculpa? Não. Isso justifica? Talvez. Não tenho respostas mas, consigo enquadrar. Entendo.
Como compreendo que eles se tenham ido embora, ontem. Não partilho das suas razões mas... não são minhas.  "Vais ficar sempre nos nossos corações" Enviei-lhes muita sorte- um desejo que poucos compreenderão.
As separações custam sempre principalmente quando não dependem de nós. Bom, as outras podem ser ainda mais demolidoras.
Talvez não tenha perdido a fé, não. Porventura fazem sentido e são necessárias ao nosso crescimento.
Desejei-lhes sorte.
"Por favor, digam se chegaram bem."

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Os adultos também amuam...

Uma das maneiras de nos conhecermos melhor é tomando consciência da ideia que os outros fazem de nós.
Há uns dias o meu filho amuou quando soube que seria eu que o acompanharia a um jogo de futebol. Chorou mesmo. Da porta de casa à porta do estádio... já sentado e calmo, voltei a questioná-lo porque preferia a companhia do pai. Explicou-me que receava que eu não conseguisse chegar ao estádio. Amuei.

domingo, 25 de setembro de 2016

E até as bestas podem!

A personagem que havia corrido os 10km com tecido refletor capaz de iluminar uma aldeia africana, encantava agora a mocinha. Ah e tal os gordos não deviam correr. Só lhe ouvi esta frase apesar ter continuado a dissertar. Só por ter enfiado o barrete (e também porque tinha pendurada no pescoço a credencial da organização), não lhe respondi que as bestas também deviam estar fechadas numa arrecadação. 
Na meta, segurei muitos atletas que após o esforço ameaçavam cair. Amparei-os até à ajuda adequada. Nenhum era gordo. Talvez tenham ultrapassado os seus limites. Talvez tenham sido incautos, sim. Mas, o desporto é para todos. Felizmente, a estupidez só é para alguns. Para o tal.

quarta-feira, 23 de março de 2016

23 de março de 2016

Aquilo de que mais sinto saudades é de te chamar "papá". É uma palavra que nunca mais disse ou voltarei a dizer. É uma palavra que diz que ainda sou pequena e que ainda preciso de ti. É a palavra que diz que sou tua filha. No outro dia, estávamos  à mesa. Eu era "mãe" e por isso crescida. A porta de entrada bateu e as chaves foram depositadas à entrada. Foram atiradas, sabes? Os olhos estavam na rotina. A olhar para o prato, a ver se os miúdos comiam tudo, sei lá. Ouvi aquele som e os meus olhos abriram-se. Recuaram tanto, mas tanto. Vi o hall de entrada da nossa casa e vi-te a chegar. Pousaste a pasta no chão, atiraste a chave. Aquele mesmo barulho. Os meus olhos deixaram de ver. Fiquei com a respiração descontrolada e controlei tudo o resto. Eu era grande, ali. E os grandes são fortalezas. Dizem. 
Às vezes esqueço-me de ti, sabes? Esqueço-me mesmo. Parece que já passaram muitos anos, desde que te vi. Esforço-me por recordar. Começo a lembrar-me de pouco. Não esperava lembrar-me das chaves. Queria tanto lembrar-me de tudo. Vejo-te sentado no meu sofá sem tirar o casaco. À mesa com o piri-piri em frente ao prato. Lembro-me de te espalhar o creme nas costas, debaixo do chapéu da praia. Recordo-me da tua cara a comer aquele que sabias ser o teu último gelado. O café curto sem açúcar. Vejo-te especialmente nos últimos tempos. E queria tanto lembrar-me dos outros. Anseio pelos sonhos que tenho contigo. Estás vivo mas precisas da minha ajuda. Uma qualquer. E acordo. Tenho alguns maravilhosos segundos... Em que ainda não sei que morreste. 
Tenho tantas saudades de te chamar papá. Tenho tantas saudades de ser a tua filhota. Ainda sou tão pequena. Sou mesmo. 
Farias hoje não sei quantos anos. Não sei se seriam 73, 74, 75... Não é importante. Tenho muitas saudades tuas. Papá. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

[sem sotaque, soa pior]

De uma divisão para a outra, ouço-os. 
Ele, às tantas, diz: a única coisa que sei dizer em inglês é vajáina!
Pensei escrever aqui como era bom registar estes marcos que o tempo nos leva da memória. Como gosto de os ver crescer. Mas, na verdade, não consigo parar de rir. 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Estes difíceis amores

Eles diziam-me "estás sempre com ar de enjoada". Da minha adolescência, é essencialmente isto que recordo. Mais do que o primeiro soutien ou o cartaz mostrado à vizinha em frente, dando conta da minha recente condição de mulher, lembro-me deles dizerem-me isto. Ria pouco, falava menos e estava sempre com um ar que me tinham vendido os órgãos no mercado negro. Os meus irmãos achavam-me insuportável e, na verdade, eu própria não aguentava o meu azedume. E ficava ainda mais enjoada. Não consigo precisar quanto tempo durou este looping de emoções e nem tenho lembrança de o transportar para a vida fora das paredes familiares. Acho que era outra pessoa para os outros. Fofinha, queridinha, brincalhona. A guerra era para os meus. Hoje acordei a meio da noite a pensar nisto e a perceber que tenho de me documentar acerca da adolescência. Porque raio se dá este desprendimento, esta revolta, este crescimento abrupto? Como se passa do pequeno bebé, da criança que nos pede colo, para aquela que nos olha com desdém. Ela foi peremptória. Eu sou mais adolescente do que x porque eu consigo responder-vos mal. Como assim? Essa não é a definição de adolescência. É, é. -Ai não é, não! (Xiii, eu andava sempre enjoada.) 
Estou a ler "Estes difíceis Amores", de Júlio Machado Vaz. Leio avidamente as histórias de amores que morrem, amores que nascem, amores que se substituem, amores que enganam, amores, amores, amores. Folheio na esperança de chegar a estes difíceis amores que agora teimam a negar-se, esperando uma resposta. A data em que regressam.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Queres a ajuda do público ou um telefonema?

... E de África traziam o quê?
- escravos. 
Sabes o que são escravos?
- são aquelas flores tipo rosas. 

(G., 9 anos e elevada probabilidade de ter negativa a Estudo do Meio)


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ano Novo

Agora que acabou mais um ano, faço o exercício habitual de olhar para trás. Elejo o melhor e o pior. Relembro o que aprendi, os desafios que cumpri, as metas que falhei. Tenho dificuldades. Fecho os olhos e sinto o embate. Vejo o carro em cima do meu, em câmara lenta, e o corpo da minha filha, rápido para trás e para a frente. Lembro-me do primeiro pensamento: nada de bom acontece. Lembro-me de mim a aguentar as lágrimas- a ser o adulto forte. Penso no ano inteiro e vejo pouco mais para além deste marco demasiado recente. Volto a tentar. Fecho os olhos novamente e vejo-me a correr. Por duas vezes, passo a linha da meta depois de muitos e sofridos quilómetros. Recordo-me do orgulho. Volto a pensar. Sinto algumas dores de relações que se desvaneceram e sinto alegria por aquelas que cresceram. Lembro-me de a segurar para ajudar a morrer. Sinto o cheiro da praia do Algarve. Morro de saudades dele todos os dias. Vejo-me a rir. Inúmeras vezes.  Lembro-me da casa na árvore ou do mexilhão na grelha. Sinto o vento na cara dos passeios de bicicleta e recordo-me do cheiro do pão que me habituei a fazer. Vejo-nos penduradas em árvores a apanhar figos ou a rir às gargalhadas que ninguém mais compreende. Fecho os olhos e sinto- mesmo- todo o carinho, proteção e mimo. Lembro-me novamente do primeiro pensamento e reconheço: tudo de bom acontece. E repito esta frase. As vezes que forem precisas. 

Os fios brancos do cabelo são pura ficção.
Os meus 37 anos foram felizes. Algumas coisas acabaram. Portas fecharam-se. Assuntos morreram. Nasceram coisas novas, outras cresceram. 
Não sei o que me aguarda o próximo ano que acabou de se iniciar. Sei, que qualquer embate terá uma enorme almofada.

domingo, 29 de novembro de 2015

Passatempo Science4You

Lembram-se deste desafio? Ora bem... And the winner is... Ivone Afonso!


domingo, 22 de novembro de 2015

Nunca mudas em mim

Não sou a mesma mãe para os meus filhos. Não sou mesmo. Quando ela nasceu eu não sabia nada de nada. E tinha medo do nada que não sabia. Movia-me por tentativa e erro. Passava noites acordada e dias (...) e tentava, com toda a força do meu ser, adivinhar os fundamentos de cada choro sem palavras. O amor inundou-me como se preenchesse uma bolsa de ar que nunca mais viverá sem esse sopro. E eu era assim. Cuidadosa, cautelosa, ansiosa e, simultaneamente, forte e segura- como quem cuida é. Era essa mãe e fui essa mãe para ela. 
Quando soube dele, era já outra pessoa. Sabia o que esperava. No parto, tomei outra atenção. A serenidade deu-me outra experiência. Levantaram-me até ao ponto exato onde o consegui ver a sair de mim. Chorei muito. Mas já não estava assustada. Não era mesmo, a mesma. Cuidadosa, cautelosa mas, descontraída.   O único medo que me perseguia era o de não gostar do segundo como do primeiro. Coisa de mãe. Mas como num choque daqueles violentos, sente-se um embate inicial e uma onda que nos inunda. Rápido e lento, ao mesmo tempo. Que nos move o corpo e pára. O amor instala-se. O medo foi uma coisa que durou meses e esvaneceu-se em segundos. Bastou-me vê-lo. Senti-lo. Cheirá-lo. O meu homem pequenino. 

O meu filho faz hoje 9 anos. Ninguém diz. É alto. É enorme. Um matulão de gente. É gigante e minúsculo para mim. É o meu bebé. Cheiro-lhe o cabelo, aninho-me no seu pescoço e ainda o vejo ao meu colo ou a dizer "não xei", "não conxigo", "outa vex". 
Não sou a mesma mãe, nem eles são os mesmos filhos. 
Eles vão mudando. Eu vou mudando. Mas eles nunca mudam em mim. 




Parabéns, meu bebé.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

E assim funcionam as boas parcerias... e as boas brincadeiras!


A empresa Science4you foi uma querida e convidou-me a lançar um desafio. Ao mesmo tempo enviou uns brinquedos para os meus filhos e eu ainda pensei fazer um brilharete no Natal. Não tive hipótese. Bastou-lhes vislumbrar um cantinho das caixas para reconhecerem a marca que já abunda cá por casa. Montaram toda uma oficina no meio da sala e eu confesso que, a dada altura, suspirei. Falo de uma noite da semana, àquela precisa hora em que acabamos de arrumar tudo e apenas queremos entrar em estado vegetativo. A fotografia não ilustra mas, a dada altura, estava eu sentada no topo da mesa a comandar as operações. Tragam sal fino. Fita-cola! Alguém traga um copo com água. Isto tem de secar, vai para aqui. Bicabornato de Sódio, por favor. Rápido. 
Science4You, obrigada pelos brinquedos e obrigada pela experiência de brincar com os meus filhos. Parece uma coisa simples, algo que se presume. Mas nem sempre é verdade. No meio das obrigações e rotinas, às vezes, vou-me esquecendo de como é importante criar este tipo de memórias.

Pensei que se tratasse de uma única experiência... é todo um livro! Hoje vamos passar à construção de pequenos foguetões, com recurso a autocolantes e cenas diversas. Eu não sou de competir mas o meu vai ser o mais giro!
A minha querida filha abre e fecha a caixa como se de um tesouro se tratasse. Temo que não queira partilhar todo o mundo de possibilidades que esta pequena maravilha prevê. Tem azar. Parece-me que aprecio bastante brincar com isto...

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Algures num corredor

Um deles atirou-me com um copo de plástico à cabeça. Foi o Pedro, lembro-me bem. Recordo-me, igualmente, da dor lancinante e do cantinho do corredor onde me enfiei. Não sei se chorei. Não tenho a certeza. Talvez tenha apenas fungado num beicinho. Sei, contudo, quando o comecei a fazer. À séria. Ouvi a porta da rua, os passos na escada e a chave na porta. Foi exactamente aí. Irrompi num soluçar antes contido. 
Há quem diga tudo na altura. Há quem grite, chore, se desfaça. E há quem espere. Quem se controle até ao consolo certo. Ou, apenas, engula em seco.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

1, 2, 3 ao ataque

Quem segue este blog há algum tempo sabe que não tenho por hábito promover marcas ou organizar passatempos. Em primeiro lugar, porque esse não é o objetivo que prossigo quando partilho a minha escrita. Em segundo lugar, porque nenhuma cadeia de hotéis, companhia aérea ou empresa imobiliária reconheceu, ainda, o potencial deste espaço virtual... Contudo, quando a Science4you me desafiou a fazê-lo, não hesitei. Trata-se de uma marca portuguesa esse é o meu ponto de partida. Acresce a este argumento o facto de, chamando-me eu "pedagogia", não poder ignorar a vertente de conhecimento que o conceito desta empresa representa. 

Digo-o com a maior sinceridade do mundo. Se eu, em tempos, passava tardes sentada no chão da minha praceta a esmigalhar pétalas e folhas ambicionado criar o perfume mais maravilhoso do mundo (que era composto pelas minhas poucas amigas de um metro), hoje as crianças pouca liberdade têm para testar e estimular a sua criatividade. A Science4you é efetivamente uma via. Com os meus filhos é.

Disse sim e, apresentaram-me a Fábrica de Chocolates. Não sei o que vos diga. Está na linha das viagens, hotéis e casas de sonho. Parece, contudo, que não posso concorrer. Assim, e porque no fundo sou fofinha, concedo-vos esta oportunidade.

Fácil, fácil. Basta seguir os seguintes baby steps:

1. Seguir a página do Facebook da Science4you e ativar as notificações;
2. Fazer partilha pública deste passatempo no seu mural do Facebook, identificando 3 pessoas na publicação;
3. Seguir a página do Facebook da Pedagogia do Terror e ativar as notificações;
4. Preencher o formulário disponível aqui.

No dia 30 de Novembro, não obstante encontrar-me a celebrar ativamente o meu aniversário, virei aqui anunciar o grande vencedor que, posteriormente fará o favor de enviar selfie com bigodes de chocolate. Para a escolha do felizardo, utilizarei um método de escolha aleatória

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

No meu lugar

Tenho uma amiga que tem cães. Por oposição a filhos, entenda-se. Mostra fotografias no telemóvel como quem abre a carteira em três partes. Fala de cada um indicando os nomes que não consigo memorizar e quase juraria que sabe melhor das suas marcas do que eu as datas das primeiras palavras dos meus filhos.
Ela não sabe apesar de já lhe ter dito: é mãe, não sendo. Há pessoas assim. Naturalmente, cuidam. Naturalmente, preocupam-se.
Lembro-me dela muitas vezes. E lembrei-me dela hoje. Cuidar não é fácil. Cuidar depende de um gesto nosso. De uma preocupação constante. De um amor que não flutua com o tempo. Mas, infelizmente, cuidar não significa que cuidamos efetivamente. Assim é com cães, com filhos, com pais, com amigos. Nem sempre o que damos chega. Nem sempre ajudamos. E muito menos resolvemos. Podemos secar as lágrimas, limpar a ferida e colocar um penso. Podemos fazer uma festa e até dar um beijo. Não significa que a ferida pare de doer, que estanque o sangue ou que cicatrize sem deixar marca. 
Nem sempre os nossos braços esticam o suficiente. E aprender isso é difícil. É um outro caminho. 

domingo, 1 de novembro de 2015

Meu Novembro

Numa conferência, há dias, uma oradora que muito admiro disse-o com todas as letras. Sou uma pessimista nata. Aquelas palavras não eram esperadas daquela mulher jovem, inteligente e incrivelmente bonita. Fiquei admirada tal como todos os restantes que se moveram desconfortáveis nas cadeiras. A moda existe até no estado de espírito. Hoje, impera o ser positivo. Tudo é para cima. Alegre. Divertido. Prazeiroso. O oposto é sintoma de fraqueza ou de qualquer outra característica menor. Não faço a apologia da tristeza, longe disso. Mas gosto da liberdade. Acho que é isso. Poder ir contra a maré. Gosto de dizer, sem reservas, que adoro o inverno. Que sou romântica e talvez um pouco melancólica. Que espero o pior para ficar tremendamente feliz com o melhor. Que me rio muito mas sorrio ainda mais. E que estou muitas vezes triste, sem saber exatamente porquê. Gosto deste meu Novembro que se parece comigo. Porque chove e tem esta luz que me obriga a acender luzes pequenas e velas com cheiro a canela. Porque permite envolver-me em mantas de xadrez quando a casa cheira a fermento levedado e a chá preto. Gosto deste Novembro que não é triste. Apenas doce. 


domingo, 25 de outubro de 2015

Já nem falo das garrafas de azeite que já deixei cair, dos emails enviados para a pessoa errada, nos ataques de riso em elevadores ouvelórios...

Há uma máxima na Ley de Murphy que defende qualquer coisa como "tudo é possível, apenas não muito provável." Se tivesse de encontrar uma frase para definir os acontecimentos da minha vida, talvez escolheria esta. Começa logo no meu nascimento. No exato dia do aniversário do meu irmão anterior. Não era provável mas aconteceu. Também não era esperado mas, os meus pais tiveram de fazer prova do meu nascimento. Passados uns meses de ser gente, foram chamados pelas autoridades para "me mostrarem" (não vou nem tentar explicar).
A minha memória de peixe não me permite exemplificar aqui toda uma sucessão de factos da minha curta existência. Mas acontecimentos recentes comprovam que esta máxima das probabilidades, assenta-me que nem uma luva. Não sei qual a percentagem exata mas aposto que será baixíssima a de alguém conseguir convidar duas pessoas para uma única função. Eu consegui. Convidei duas pessoas para apenas uma tarefa sendo que, tinham o mesmo nome, a mesma formação, a mesma origem geográfica e a mesma ocupação. Assim, lado a lado, ao mesmo tempo. E a minha cara de quem "jogou cocó no ventilador"...  E qual é a probabilidade de eu estar deitada no chão do palco e de ter um técnico de som, com mais de 75 anos e sintomas de Alzheimer, com as suas mãos- ambas as duas- na minha parte traseira mais proeminente? Eu diria que, para o comum dos mortais, estaríamos na ordem dos 2%. Comigo? Sem dúvida, 100... Assim, ó Murphy: tudo é possível, sim. Mas comigo...  é altamente provável!




segunda-feira, 19 de outubro de 2015

I Rock!

Não cumpri o objetivo a que me propus. Não corri 42,195 km. Não fui persistente, rigorosa e muito menos disciplinada. Findos poucos meses da meta estabelecida, simplesmente desisti. Percebi que era cedo demais. Percebi que não assumi o compromisso com seriedade. Na verdade, sempre soube que não iria cumprir. Não sou daquelas pessoas que afirma nunca desistir. Sou daquelas que muda de ideias, que teria feito de outra maneira, que larga coisas e que, simplesmente, olha para o outro lado. Não corri a maratona como apregoei. Mas levantei-me às seis da manhã. E andei pé ante pé, na casa escura. E saí pela porta, noite preta. E afastei a chuva e corri para o comboio. Carreguei um saco com bananas e barras doces e apanhei mais um transporte e mais outro. E respirei o ar abafado com todos os outros. E sentei-me no chão enquanto pés e pernas passavam por mim, todas iguais. E contei os minutos e rezei em silêncio. E pedi ajuda e escolhi o corredor certo. E enfrentei as pernas inicialmente em choque, duras. E descontraí e segui. Evitei as garrafas, as tampas, os atropelos e ansiedade de ver tantos passar por mim. Mantive-me no meu ritmo vergonhosamente lento e orgulhei-me por não o achar vergonhoso. E vi ruas e agradeci a todas as pessoas que cruzaram o olhar. Às que bateram palmas, às que gritavam ou às que em silêncio, longe, torciam por mim. E continuei a correr e soube que ia terminar. E virei caminho e alegrei-me. Mais. Bati as mãos no papel que dava uma "vida extra", engoli energia líquida e revirei os olhos com o sabor das laranjas que me estenderam. Ignorei a dor no joelho. E escolhi o modo como passei a pousar o pé, em dor. Conversei com quem partilhou comigo a estrada e ainda ri. Falei inglês, arrisquei francês e ouvi. Elevei os braços mesmo no fim e dancei. E vi a meta e corri ainda mais. Passei num sprint manhoso. E sorri. Sorri mesmo no cansaço. Sorri mesmo com as pernas destacadas do meu corpo. Sorri no caminho de volta. No metro. No outro metro. No comboio. No caminho até casa. No banho quente. Debaixo do edredon que abafou as dores. Acho que sorri a dormir. Não corri a maratona, não. Talvez nunca corra uma. Mas fiz duas meia-maratonas, em 2015. Por duas vezes, percorri com os meus pés, com as minhas pernas, com a minha cabeça e o meu coração, 21 km. 


* Obrigada, S. por me acompanhares nesta minha insistência. Por me fazeres rir e por atravessares comigo mais esta meta.




quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A vida ao contrário [como devia ser]

Bastaram-me cinco minutos. Tinha tudo pronto. Mochilas, sacos, roupas, comidas, banhos e sei lá mais o quê. Fiquei assim, de repente, num vazio. Coloquei a mala no ombro e abracei o meu filho. Queixei-me, na verdade. Há muito tempo que não abraças a mamã. Talvez não fosse há tanto tempo assim. Mas senti que era demasiado para mim. Assim, à porta, a segundos de sair, com a cabeça loira no meu queixo, ouvi-o. Estás sempre a trabalhar. Não páras. Acho que o abracei com mais força. Acho que me abracei, na verdade. Consolei isto que tenho sentido. Que estes tempos não me servem. Que estes tempos estão mal contados.

Agora alguém se diverte na cozinha a fazer bolachas com pepitas de chocolate. 
O jantar será algo pré-cozinhado. Cheira a chá e a essência de baunilha.
Não vou passar a ferro. Não arrumarei as camas que daqui a pouco serão ocupadas. As mochilas, lanches, almoços, roupas e afins... Só depois de abraços demorados. E beijos.